A visão era particularmente
bonita do alto daquele prédio, sendo maior que os outros arranha-céus a sua
volta os olhos podiam captar não só uma vista de milhões de toda a cidade, como
fazia a lua parecer ainda maior. Isso quando o satélite não estava encoberto
pelas nuvens que traziam a escuridão da noite. Ventava um bocado e os
cabelos negros e longos da garota ricocheteavam insanamente as suas costas.
Isso combinado ao sorriso eloquente emoldurado por um batom escarlate eram o
complemento perfeito para o olhar de ouro derretido, delineado em preto, da
jovem mulher.
— E então? O que está esperando?
— questionou o homem que julgava tê-la encurralada próxima ao parapeito. — Você
não tem para onde ir. Confesse para quem você trabalha ou será uma queda de
sessenta e nove andares!
A morena não disse nada, apenas
se inclinou levemente observando as arvores que pareciam diminutas em torno
daquele prédio de escritórios. O homem viu as mãos dela oscilarem e segurarem
forte a barra de proteção, permanecendo firmes no local. Estaria com
medo? Mas se estivesse não deu qualquer outro sinal do sentimento,
recostou-se estendendo o belo par de pernas e coxas bem torneadas, emolduradas
por uma calça preta de tecido resistente. Os olhos negros do outro acompanharam
o movimento, sem tirá-la da mira da glock que empunhava.
O sorriso em vermelho tomou ares
sarcásticos, de quem sabia as reações que causava.
— Não há muitos que possam pagar
por uma ladra do seu calibre. — rebateu o outro sem se deixar abalar. —
Não é tão difícil adivinhar as opções.
— Sim, são poucos, é verdade.
Contudo, como vocês teriam certeza? — continuou agora escorando os
cotovelos e usando das mãos para apoiar a costas.
A visão apenas privilegiava a
visão do outro, mas isso seria uma distração que ele não poderia se
permitir. — Parada! — advertiu.
— Calma docinho! Só
estou procurando uma posição confortável para essa conversa. — mostrou as mãos,
sem qualquer objeto e voltou a se encostar como se a palavra anterior nunca
tivesse existido. — E então... estou curiosa, em quem pensaram?
— Eu faço as perguntas por aqui!
E você já está me cansando, me entregue os dados. — esbravejou jogando o braço
livre para o ar, a ladra o deixava exasperado. — Essa formula causará um
estrago se cair em mãos erradas. Não me obrigue a tirá-la de você.
Ela fez um bico pensativo, o que
tornava suas feições quase inocentes, quase. Depois de um curto tempo de
contemplação as palavras alheias a mulher suspirou num gesto afirmativo.
— É verdade, isso aqui se
tornaria um inferno se algo vazasse... — ela levou as mãos a nunca, como se
fosse tirar a corrente. Os dígitos desapareceram por baixo do cabelo e então
num movimento de mãos um clique foi ouvido. — É por isso que não posso entrega-la
a você! — Falou, e no segundo seguinte estava no ar.
Com impulso ela lançou uma
pequena adaga nas mãos do homem de terno, que devido ao corte acabou soltando a
arma, e, praticamente ao mesmo tempo, se lançou para trás. Usando da barra de
proteção como apoio girou no ar e desapareceu. O homem correu até o
parapeito já antecipando a visão do corpo caindo no nada. Todavia o que
encontrou foi à morena escorregando, o mais graciosamente que a situação permitia
por um cabo de aço preso a barra de proteção e depois colidindo contra uma
janela uns seis andares abaixo de onde eles estavam antes.
Ele correu, dispensando o
elevador e se precipitando pelas escadas naqueles andares iniciais grato pelo
horário comercial já ter acabado há muitas horas. Porém, tudo o que conseguiu
ao chegar ao andar da janela quebrada foram estilhaços e um apetrecho que
anteriormente ele pensara ser um simples cinto.
Praguejou e voltou para o
corredor, esmagando o botão do elevador enquanto observava o visor do outro
diminuindo de numeração. Podia imaginar a o sorriso zombeteiro da morena e sua
calma desconcertante mesmo em situações de fuga encostada a parede do elevador
enquanto o pintava em sua mente correndo contra o tempo para alcança-la. O
pensamento o fez socar o botão mais uma vez quase no momento em que a porta se
abriu.
A porta do elevador mal se abrira
novamente, dessa vez no térreo, e ele se precipitou para o saguão. Os ecos de
seus passos rápidos parecendo ainda mais altos do que o normal. Na porta passou
por cima do corpo desacordado do vigia nocauteado. Um lembrete do erro ao se
subestimar a ladra.
Quando finalmente chegou a rua
não tinha ideia do que iria encontrar, entretanto, com toda a certeza ele não
esperava ver a morena — que pareceu esperar até o ultimo minuto — com a mão
para fora de um esportivo de luxo como num aceno pouco antes de arrancar com
esse. Ele correu atrás do carro levando a mão onde sua arma estaria para só
então perceber que não estava no coldre, esquecera no terraço ou deixara cair no meio
do caminho, ele não tinha certeza agora.
Algo refletiu na sarjeta e ele se
abaixou para pegar, encontrando um pequeno adereço de cabelo. Uma haste dourada
do tamanho de um grampo com um delicado broche
de pedras esverdeadas que lembrava um pavão na ponta. A ave exibicionista, a
marca da ladra de mesma característica.
Ele respirou fundo guardando o souvenir
no bolso ainda atordoado com ultimo vislumbre do carro desaparecendo no fim da
avenida. Seu carro. — Maldita! — xingou abaixando a cabeça e puxando os
próprios cabelos. O veiculo não é a
primeira coisa ela lhe rouba. Uma voz conhecida lhe sussurrou no fundo da
mente. Num ímpeto raivoso ele chutou uma lata de lixo que foi parar no meio da
rua. Havia perdido por não conseguir atirar quando tivera a chance. Perdido por
não conseguir cumprir uma simples ordem e eliminar o inimigo. Perdido por
deixar-se levar pelos artifícios daqueles lábios. De novo.
0 picadas:
Postar um comentário