Frestas


Era madrugada.  As cortinas cor de creme agitavam-se ao sabor do vento que penetrava pela fresta entreaberta da janela. A luz do poste do lado de fora piscava irregularmente, vez ou outra zunindo baixinho, sua luminosidade entrava precariamente ao passo que o tecido se afastava. A temperatura estava baixa do lado de fora, a neblina húmida onipresente para aquela estação — e praticamente todas as outras durante o ano — deixavam o vidro um pouco embaçado, fazendo com que sombras disformes se alongassem pelo chão ao passo que as gotículas escorriam. Aquela era a única iluminação do quarto, onde, em um canto qualquer, um aquecedor que chiava baixinho tentando cumprir seu papel de deixar o cômodo em uma temperatura descente.
A porta se abriu dando passagem a uma silhueta masculina. Alto, os cabelos longos quase no queixo, mesmo no escuro pareciam desalinhados.  Com a passagem do homem a luz do corredor que assaltou os olhos da outra que estava na cama. Imediatamente ela virou o rosto e levou a mão — que não segurava um cigarro quase no fim — ao rosto, tentando proteger-se daquela agressão luminosa. Gemeu baixinho.
— Acordada? — o timbre tenro trazia camuflado em sua sutileza certo divertimento e malícia, detalhe que não passou despercebido fazendo com que sua resposta fosse um travesseiro arremessado. Mas claro, ele agarrou o objeto displicentemente, devolvendo-o a cama. — Porque o mau humor?
— Isso são horas? — a voz saiu debaixo do travesseiro que lhe fora devolvido e que agora servia lhe de escudo. Não esperando qualquer resposta ela continuou. — O que diabos foi fazer lá fora? Está congelando!
— O mesmo que você deveria ter feito. — arrancou o cigarro das mãos delas, apagando-o num cinzeiro ali perto, e numa velocidade impressionante (até mesmo pra ele) se livrou do sobre tudo e da blusa pesada ao passo que deslizava pela cama.— Achei que não gostasse do cheiro.
— Tive um pesadelo, acordei atordoada. — ele sentiu mais do que viu o dar de ombros alheio. — Você está mais do que gelado! — guinchou se afastando.
O homem riu nervosamente, geralmente era ele quem tinha pesadelos. O que aquilo significava a essa altura? Não disse nada a princípio. Em vez disso se esgueirou pelos rastros de calor. — Você supostamente gosta do frio.
Silêncio.
— Algo sobre o pesadelo que o qual queira conversar? — perguntou próximo aos cachos que caiam soltos como uma áurea ao redor do rosto feminino.


Ela negou, sem proferir palavra alguma. Ainda com os lábios serrados numa linha fina virou-se para ela, já não tão incomodada com o frio, o fitou por alguns segundo e então descansou a cabeça em seu ombro, fechando os olhos. O homem estranhou, a ausência de palavras não era algo esperado, não em se tratando dela. Alguma coisa estava errado. O que será que a havia perturbado? Ele não sabia dizer. Ainda.

CONVERSATION

2 picadas:

  1. Fiquei com a ligeira impressão de que "ele" é um vampiro ou algum outro tipo de criatura da noite...

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    Respostas
    1. Eu tinha alguém do gênero em mente enquanto escrevia a cena.

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